Review| Tudo é rio, de Carla Madeira

Com uma escrita delicada, poética e sensível, Carla Madeira mergulha o leitor nessa história  por vezes pesada. Um retrato cru dos dramas pessoais, das relações humanas, do quão difícil é lidar com certas situações que a vida nos apresenta.

O amor não é incondicional coisa nenhuma. Tem suas fragilidades de matéria orgânica. Estraga, esgarça,rasga, inflama, acaba.

Em Tudo é rio, lançado pela editora Record, Venâncio e Dalva formam um casal perfeito. De tão ligados, parecem almas gêmeas. Muito apaixonados eles se casam. Mas a vinda de um filho muda tudo.  Venâncio sempre foi cego de ciúmes de Dalva. Quando esse sentimento dá as caras, ele conhece a pior versão de si mesmo. Não acha certo ser desse jeito mas é incapaz de domar a si próprio. Sabe que é errado sentir-se assim. Venâncio tem medo dele próprio, e das consequências que suas impulsividades podem trazer, principalmente para a mulher que ama.

Dalva é a calmaria em pessoa. Sábia, nobre. Um Rio calmo que se encontra com o Rio atormentado de Venâncio. Apesar das diferenças eles se amam e, quando uma tragédia acontece nesse casamento que era tão feliz, a vida dos dois muda para sempre.

Nesse meio, está Lucy, uma tromba d´agua que vai cair de cabeça na relação já quebrada de Dalva e Venâncio.  Ela é a prostituta mais quente da Casa de Manu, o bordel da cidade.
É uma mulher segura de si e dos seus encantos. É capaz de deixar qualquer homem louco em sua cama. É uma personagem curiosa. Por vezes dá ódio dela. Mas é aquilo: ” Todo excesso esconde uma falta”. Lucy já não espera amor de ninguém. A vida lhe ensinou assim da pior forma. As passagens em que a Lucy aparece são pesadas e deixa o leitor boquiaberto. É uma bomba relógio na vida das pessoas e está prestes a explodir entre Dalva e Venâncio, se colocando no meio deles. Por puro capricho. Por que ela quer. E porque ela acha que pode. Ela se acha uma força da natureza feminina. E se tratando de sexo, os homens concordam. Menos Venâncio, que frequenta o bordel, mas jamais escolhe Lucy para passar a noite com ele, tornando-se assim um verdadeiro desafio e uma obsessão para ela mesma, que não está acostumada a ouvir um não e jamais foi rejeitada por homem nenhum.

Somos feitos do bom e do ruim. Em proporções imprevisíveis

Tudo é rio mostra o melhor e o pior das relações humanas. O quanto a nossa infância é um espelho que reflete na nossa vida adulta. O que vem para nós como uma hereditariedade. E às vezes é algo que a gente repele tanto, mas que ainda passamos adiante tais comportamentos por simplesmente não sabermos lidar com eles. Aqui temos  Amor, ódio, paixão, agressão, raiva, sexo, perdão. Casais se casam, separam. Amigos de infância seguem seus rumos. Pais ensinam seus filhos a alçarem seus voos sozinhos. Algumas famílias ficam juntas a vida inteira no mesmo lugar. Pertinho um do outro. Outros precisam mudar de cidade, de estado ou até de país. O rio da nossa vida vai passando, ele não para, é irrefreável. Aqui a autora mostra que a vida é um Rio. SEMPRE SEGUE SEU CURSO. Poético, não?

O medo esmagou o coração de Venâncio. Não sabia desfazer o que estava feito. Sentia vergonha de ser quem era, filho de seu pai. Experimentou o que odiava nele.

É uma leitura fluida, arrebatadora, que a gente não consegue largar. Carla Madeira  pode fincar sua bandeira bem alto  na literatura nacional. Escreveu um livro que toca em vários temas importantes. Em grupos de LC (leitura conjunta) daria uma ótima discussão (Inclusive o final).

E vocês, gostam de histórias fortes e ácidas?

Convido-os a pegarem seus barquinhos e a velejar por esse Rio cheio de bifurcações e emoções.

 

Sobre a autora:

Carla Madeira nasceu em Belo Horizonte em 1964. Largou um curso de matemática e se formou em jornalismo e publicidade. Foi professora de redação publicitária na Universidade Federal de Minas Gerais e é sócia e diretora de criação da agência de comunicação Lápis Raro. Em 2014, lançou seu primeiro romance, Tudo é rio, um sucesso editorial, recebido com entusiasmo pelo público e pela crítica.