A segunda temporada de Mandaloriano chegou ao fim, e com ela, um turbilhão de emoções e curiosidades. Este último episódio trouxe em sua construção muito do que foi o desenvolvimento da temporada, fugindo de clichês, ao invés de fazer o famoso “mais e maior!” as escolhas criativas deram à temporada o direcionamento exato que uma continuação deve seguir, expandir o mundo e manter a essência.
“Mando entregando a Senhora sapo após os perrengues com aranhas gigantes”
Quanto a expandir o mundo, fez aproveitando a premissa principal, apresentando novos planetas e ameaças enquanto o caçador de recompensas “Mando” procura entregar o pequeno “bebê Yoda” a quem possa cuidar e dar o treinamento necessário. A série aproveita grandemente a deixa para trazer personagens icônicos do passado, com destaque para Ahsoka e Bo-Katan que foram trazidas das animações pra o live action e Boba Fett que marcou seu lugar definitivo no coração dos fãs. A própria jornada do caçador o conduz a explorar e desvendar mais da história da orla exterior, seja matando aranhas gigantes ou se envolvendo nas pequenas aventuras de personagens anônimos cujas histórias só teriam destaque neste contexto da série. A decisão narrativa conduzida desta forma, acompanhando mais um entre tantos outros perdidos e sobreviventes nos confins da galáxia, expande o lore da série ao mesmo tempo que pavimenta, nestas várias intrigas e conflitos, os caminhos pelos quais as temporadas seguintes devem percorrer.
“Só existe um caminho, o caminho de Mandalor”
É na sabedoria de explorar a alma da história que a narrativa brilha, acompanhamos na temporada anterior o início do clã de dois (Din Djarin e Grogru) e é nesta que descobrimos o quão profundo é este Vínculo, bem como sua capacidade de transformar o mandaloriano calado e tão frio como o beskar de sua armadura em alguém mais humano e emotivo. Vínculo é a palavra que resume bem a segunda temporada, pois é através destes que o protagonista expande sua visão de mundo, de sua cultura e de si mesmo. Através dos vínculos passados Mando descobre dicas e direções que o guiam para vínculos futuros que vão conduzi-lo mais adiante em sua busca, seja uma mecânica de naves, um casal lutando contra a extinção ou uma Jedi solitária, cada elo formado fortalece e transforma o personagem, que começa totalmente irredutível e devoto de seu código inviolável e soberano para alguém que está disposto a sacrificar tudo por alguém importante, mesmo que envolva quebrar o voto que fez.
“Djarin e Fett, essa parceria não ocorreria com o protagonista na primeira temporada.”
Assim que aquele berço foi aberto no episódio 1, foi liberada uma das coisas mais fofas e um temor em forma de pergunta “será que esta série vai virar ‘mais uma história star wars?’”, será que a proposta conseguirá se sustentar sem se perder nos conflitos Rebeldes x Império e Jedis x Sith? E mais uma vez os roteiristas e diretores conseguiram mostrar com verdadeiro primor que conheciam o potencial e valor da história que estavam contando pois, apesar destes conflitos serem a base a todo este universo, eles passam sem ofuscar a trama principal, mas sim adicionando tensão ou tempero. Mesmo personagens poderoso como Ahsoka possuem não mais que dois episódios tomando os holofotes, para mostrar ao espectador que este universo é enorme e que, ao mesmo tempo em que acompanhamos as andanças do clã de dois, todo mundo tem um problema, caçadas e conquistas ocorrem a solta com a ineficiência da nova república de poder alcançar toda a extensão do território que controla, ao manter este movimento de reafirmar que o protagonistas são mundanos, os tornam mais próximos e carismáticos, tememos por suas vidas e nos emocionamos com seus dramas.
Apesar de críticas de que a série “estaria usando a nostalgia como muleta”, basta assistir com atenção enquanto ela mostra como criar algo que atrai o fã novo e reaquece a esperança do veterano já cansado de decepções, nenhum dos personagens icônicos roubam o protagonismo ou desviam o foco da narrativa, todos estão por uma razão, agregar à história, enquanto nós apenas acompanhamos parte da jornada deles e apenas a parte que é relevante para a série. Ela não desperdiça tempo para te explicar como Boba Fett sobreviveu ao Sarlak, ou quem é o Almirante Thrawn, ou como foi a guerra civil mandaloriana… É irrelevante para a missão do Mando, logo é para nós, claro que parte desta estratégia é cumprir a tarefa (bem feita por sinal) de apresentar os diversos spins off’s anunciados, vemos vários “episódios pilotos” enquanto curtimos a temporada. Além da série fundamentar em pedra assuntos que foram injetados pelos fãs, como o lendário Boba Fett que finalmente teve uma oportunidade de fazer jus a lenda, diferente em sua atuação em toda a trilogia antiga que se resumia a menos de 5 falas, ficar parado e morrer com um golpe distraído do Han Solo em seu Jet Pack.
“Ahsoka Tano em sua aparição em The Jedi”
A direção e fotografias estão de parabéns, é clara a liberdade que os diretores possuem para trazer uma visão nova de cada mundo e de cada história, recheando a temporada com episódios que são verdadeiras cartas de admiração às consagradas obras que influenciaram Star Wars desde o episódio IV à gêneros posteriores que transformaram a forma de contar histórias passadas no espaço, como por exemplo, referência recorrente ao gênero faroeste no episódio “The Marshall”, ao terror espacial a lá O Oitavo passageiro em “The Passenger”, pessoalmente estas aranhas alienígenas me deram asco real, culminando numa das fotografias mais bonitas em “The Jedi” e suas claras referências ao consagrado diretor Akira Kurosawa e seus épicos de samurais.
“Cowboys e Samurais no espaço, não há nada mais S.W do que isso”
Mas a cereja do bolo com certeza está no final do último episódio (e que episódio!) que condensa a maioria dos pontos fortes da série, destacando a batalha entre Din e Moff Gideon, um confronto aparentemente planejado pelo vilão, pois ele poderia matar o bounty Hunter e eliminar a ameaça ou perder morrendo sem entregar toda a operação, além de manter Bo-Katan ainda afastada do sabre negro, uma amostra de quão frio e calculista este vilão pode ser. Culminando na chegada triunfal de Luke Skywalker, com toda a direção construindo a ameaça dos Dark Troopers, mostrando o quão poderosas e imparáveis essas máquinas são, tanto que grande parte do plano dos protagonistas envolvia retirar essas tropas do cenário. Então o plano falha e eles se encontram presos na sala de comando, indefesos, prontos para apenas morrer lutando, sem plano de reforço… Sem esperança, até uma solitária X-wing entrar na base, alguém encapuzado andar pelos corredores até estar diante daquela ameaça e iluminar a escuridão com seu sabre verde, Luke Skywalker, o jedi que ouviu o chamado do “bebê Yoda” no episódio “The Tragedy”, sozinho deflete tiros de blasters, retalha metal e amaça o ultimo de pé como se fosse uma latinha de Fanta uva (mais alguém lembrou da cena do Vader em Rouge One?), mostrando a razão dos Jedis serem temidos (Destaque para a atuação de Giancarlo Esposito que sempre rouba a cena por onde passa, mas neste caso, por sua reação ao mostrar o terror de Moff Gideon aos perceber quem é aquele ser.), ele chega e traz de volta a esperança, neste momento não tem como não se arrepiar (de nostalgia ou estranheza do rosto de CGI) ainda mais com o trabalho da trilha sonora de Ludwig Göransson que sutilmente transita do tema da série, gradualmente, para o tema clássico do Jedi. Este encontro já foi sendo preparado desde o começo com as diversas referências e rimas narrativas com a trilogia clássica, a exemplo da frase de Boba Fett “Eu sou um simples homem ganhando a vida pela galáxia, como meu pai ates de mim” que rima com a frase que Luke diz à Palpatine quando decide não ir para o lado negro ao poupar Darth Vader, mais uma corriqueira aparição do planeta Tatooine e até mesmo a aparição da pupila de Anakin.
“Foi daqui que pediram um Mestre Jedi?”
Então, com tudo resolvido, o episódio faz uma nova curva, agora temos que lidar com a separação, com a perda, com Din olhando o pequeno Grogu por seus próprios olhos e se despedindo. Esta cena, para mim, foi um choque, pois até este momento não conseguia mais imaginar os dois separados e fiquei em silêncio ao perceber que a missão foi concluída e a vida continua, cumprindo ou não a promessa deixada, me veio o sentimento de que, apesar de transformadora, tive que encarar a experiência da relação Mando e “bebê Yoda” como mais um vínculo, como o do casal, ou como do povo assolado pela criatura da areia, ou até mesmo o povo que sofria ataques dos bandidos na primeira temporada. Os caminhos irão se separar, por hora, Din teve ciência de duas visões de mundo de uma mesma cultura, sua cultura, seguindo agora para estes conflitos enquanto novas dúvidas surgem, irá ele entrar nesta cruzada por Mandalore como mais um soldado, um seguidor de Bo-Katan, ou como o legítimo líder detentor do sabre negro?
Apesar de pouco expressivos em relação aos acertos, alguns erros podem ser destacados, ou melhor dizendo, refinamentos a serem feitos, como a exemplo da utilização de CGI para o rosto de Luke ao invés de usar um ator mais parecido com Mark Hamill, o resultado final comparado com todo o primor visual da série aplicado até então gera uma estranheza aos olhos que compromete, em parte, todo o sentimento da cena de sua interação com os protagonistas (cada um tem a “boca digitalizada” que merece, kkkkkk), outro ponto a ser considerado é o personagem Migs Mayfeld (interpretado pelo comediante Bill Burr), que na primeira temporada era um bandido que não pensava duas vezes a ter que matar um guarda para se conseguir um objetivo, reaparecendo como um ex-membro do império que saiu por questões morais. É um personagem que, apesar de ter o seu carisma, reapareceu mais como uma desculpa narrativa para a necessidade, já que nem amigo do protagonista ele se tornou anteriormente. Como último ponto temos a cena em que Mando retira seu elmo pela primeira vez nesta temporada, que poderia ter sido cortada, substituída por uma cena cômica ou uma resolução mais criativa, pois sem querer, acabou diminuindo o efeito da retirada do elmo no último episódio, por mais que da primeira vez seja uma forma de mostrar o quão apegado ele está ao bebê a ponto de se revelar a estranhos , ela poderia não ter existido, pois a cena em que manda a mensagem ao Moff Gideon expressa muito melhor este sentimento e, ao deixar como única cena de revelação na temporada, aumenta a carga emotiva da relação e separação do clã de dois.
“Eu não estou chorando, você que está!”
Por fim, mais uma vez a equipe de Jon Favreau acerta em cheio, trazendo ao cânone muito do que está presente no universo legends sem perder o foco principal sobre o que é o tesouro de Star Wars, uma história sobre família, todos os tipos, em como estas relações nos transformam e são transformadas através de nossas escolhas e dos caprichos do destino. Claro que ao raciocinar fora da caixa, deixando a experiência audiovisual de lado, sabemos que a relação e o bebê são valiosos demais para parar de ganhar dinheiro e essa separação não durará muito tempo, mas prefiro me distanciar, me fechar apenas naquele adeus e sentir a saudade, a separação e a esperança de rever o clã de dois reunido mais uma vez.
Mas e você? Ansioso para as séries anunciadas ou acha que vai saturar o universo? Din Djarin se tornará o líder de Mandalore ou seguirá como um caçador de recompensas? Deixe seu comentário!