O impulso, o romance de estréia da autora Ashley Audrain e lançado pela editora Paralela, tem como pontapé inicial um acontecimento revelador: Blythe está em plena noite de natal, com a neve caindo enquanto ela contempla com tristeza sua filha e seu ex marido festejando com outra mulher na casa nova deles. Por que sua família foi rompida? Ela começa a contar…
Passamos a conhecer três gerações de mulheres que não tiveram o que a sociedade espera de uma de uma boa mãe. Aquele ser iluminado que deve proteger, amar, prover, zelar, acolher. Etta foi uma mãe omissa e nada Zelosa. Cecília , filha de Etta, também não foi uma mãe modelo para Blythe, que por sua vez está disposta a quebrar o ciclo e ser uma mãe melhor para seus filhos. Ela não queria muito ser mãe, mas após ser encorajada por Fox , seu esposo, ela resolve se dar uma chance. Violet nasce, e a nova mãe se questiona: Como dar algo que ela nunca teve?
O impulso traz como pauta principal a maternidade sem filtros. Nada de família de comercial de margarina em volta de uma mesa farta num dia ensolarado sorrindo felizes enquanto tomam o café da manhã. Aqui a vida familiar é esmiuçada , principalmente a da mulher após a chegada dos filhos. São mencionadas as olheiras, as noites mal dormidas, a falta de interação com o parceiro, a falta de espaço, a ausência de sexo,a mudança do corpo e toda a adaptação e transição de uma vida que em nada se parece com a de antes de ter filhos. A mulher que muitas vezes perde a própria identidade e vive seus dilemas e até abre mão de sua carreira para cuidar integralmente da criança muitas vezes. Suas escolhas são colocadas em xeque o tempo todo. Tudo isso é abordado como um soco no estômago durante a narrativa. Não há romantização da maternidade.
O livro é narrado em partes e pela perspectiva dessas três mulheres. Vamos acompanhando as histórias e percebendo a negligência e a falta de amor materno na infância delas e como isso se reproduziu na vida adulta na experiência de cada uma delas como mulheres e mães. Todas sofreram com a indiferença, a falta de atenção e cuidados de suas famílias. O narcisismo materno aqui é passado de geração para geração, como se fosse uma doença hereditária. Um código genético do Dna das três.
Blythe forma uma família com Fox, tenta criar Violet da melhor forma. Mas a menina dá sinais desde à infância de que é diferente. Comporta-se de forma estranha, muitas vezes impessoal. É cada vez mais difícil para Blythe criar uma conexão, um laço, estabelecer uma relação boa entre as duas. Como mães e filhos devem ser. Ela cuida integralmente de Violet e tenta fazer o melhor que pode, ou às vezes não. Ela também erra. Nos lembrando dos acontecimentos a que ela também foi submetida na infância e repetindo o padrão com a sua filha inconscientemente. Reproduzindo o mesmo comportamento que a mãe tinha com ela e que ela deseja tanto se libertar para tentar criar sua filha com mais amor.
Já a vida do pai em nada muda. Toca a sua carreira, sai para trabalhar, bebe cerveja com os amigos, está lindo como nunca e quando chega em casa faz a melhor parte: brincar e dar atenção à filha e questionar tudo que a mulher diz. Sendo assim, a menina tem predileção pelo pai e cada vez mais afasta a mãe, que passa a não saber mais que posição ocupa nessa família.
Um livro com partes tristes, sobre mães narcisistas, que vão perpetuando a falta de afetividade e de amor materno de geração em geração. Muito tenso acompanhar as histórias das três. É impactante, é angustiante. É muito triste pensar que existem muitas crianças ainda reféns dentro da suas próprias casas, tendo como algozes quem deveria lhe dar amor e proteção: suas mães. E seus pais também. Homens tem papéis importantes nisso . Cada um tem sua parcela de “culpa” . Serve para a gente repensar aquela máxima que “quando nasce um filho nasce uma mãe” Nem sempre é assim.
O que você faria se seus filhos não fossem quem você esperava?”
Paira no ar esse questionamento. Como se não bastasse Blythe se questionar o tempo todo sobre que tipo de mãe ela vai ser, quando resolve ter um filho e dar o seu melhor ela ainda recebe alguém diferente do que esperava. Violet desde pequena é de uma frieza e crueldade sem igual. O livro também aborda a psicopatia infantil. E em dado momento me lembrou muito um outro livro chamado ” Precisamos falar sobre o Kevin”. Ou seja, um livro pura dinamite, muito bom de acompanhar.
Sobre a autora:
ASHLEY AUDRAIN foi diretora de imprensa da Penguin Books Canada. Antes disso, trabalhou em relações públicas. Ela mora em Toronto, com seu parceiro e dois filhos pequenos. O impulso é seu primeiro romance.