Ler O conto da aia de Margaret Atwood é um processo necessário, tanto para homens quanto para mulheres. Admito que criar coragem não foi fácil, tanto que não assisti até hoje a série de TV por receio de ver muitas coisas da atualidade descritas em tela. Ainda assim, resolvi me arriscar na graphic novel adaptada por René Nault, e admito que, ainda assim, foi um soco no estômago conhecer essa história.
O conto da aia conta a história de Offred, uma aia da República de Gilead. Nesse lugar, as mulheres perderam todos os seus direitos e são dividas por funções: As aias, que precisam engravidar dos comandantes, servindo apenas como um útero com pernas; as Marthas, que são as mulheres que trabalham com serviços de casa, meras empregadas; econoesposas, esposas de homens mais pobres, que precisam fazer de tudo, e as esposas de Comandantes, aquelas que apenas dirigem os próprios lares. Além de tudo isso, elas são proibidas de ler, trabalhar e até mesmo de terem amizades entre si.
Então penso: eu costumava me vestir assim. Isso era liberdade. Foi preciso tão pouco tempo para mudar nossas ideias a respeito de coisas assim.
Nesse novo modelo de república, nenhuma mulher tem voz, e mesmo alguns dos homens também não tem. As informações passadas para o povo são completamente controladas pelo governo, mortos são exibidos em pendurados com placas dos ‘crimes’ que cometeram na antiga sociedade, e até mesmo o acesso à Bíblia, em que parte desse novo governo é baseado, tem acesso restrito apenas aos homens Comandantes.
Offred no passado era casada e tinha uma filha, uma família. Vemos ela se preocupando o tempo todo com o paradeiro do seu marido, de sua filha e de sua melhor amiga. Offred não pode fazer muito para ir atrás deles, pois foi designada como aia para um comandante. Ela precisa passar pela cerimônia para engravidar do comandante, ainda que o filho que poderá carregar no ventre pertence à esposa, não à ela.
Temos nossas próprias cerimônias, cerimônias privadas. Nós nos rebaixamos a isso.
A história segue a vida de Offred nessa casa, enquanto ela busca por respostas enquanto tenta sobreviver em um novo mundo, tendo sua memória como melhor arma (ou inimiga).
Melhor nunca significa melhor para todo mundo. Sempre significa pior, para alguns.
É torturante ler O conto da aia. Mesmo em graphic novel, onde acredito que muitas das descrições foram excluídas ou amenizadas, ver o relato da vida que Offred precisa passar a viver é doloroso. Dói até mesmo enquanto escrevo essa resenha.
Só são as mulheres que não podem, que permanecem teimosamente fechadas, danificadas, defeituosas.
Mesmo em poucas páginas, consegui me conectar com Offred, entender todo o sofrimento dela por ter vivido uma vida comum no passado, por ter que se adaptar a um futuro sem perspectiva de mudança, nem para si, nem para a própria filha da qual foi separada. E, é possível observar até como a lavagem cerebral é feita nas massas.
Querer é uma fraqueza. É como uma pequena rachadura numa parede, que antes, até este momento, era
impenetrável. Se encostar meu olho nela, na fraqueza dele, pode ser que eu veja meu caminho se abrir.
Compreendo que O conto da aia é uma distopia, mas muitas das situações relatadas no livro acontecem hoje, por pressão da sociedade ou por pressão religiosa. Temos que nos atentar ao que acontece ao nosso redor para não acabarmos como os personagens do livro, que deixaram para se movimentar quando já era tarde demais.
Esse é um livro necessário, e mesmo ficando angustiada com a história, fica feliz em saber que ele já teve diversas adaptações em diversas mídias, e hoje é um sucesso como série de TV. É com histórias assim que temos que nos atentar, para que a realidade não queira copiar a ficção, na verdade, temos que ficar atentos para que essa ficção fique cada vez mais distante da realidade.
O costumeiro é aquilo a que estão habituadas. Isso não pode parecer costumeiro agora, mas depois de algum tempo, será. Irá se tornar costumeiro.