A primeira temporada de Falcão e Soldado invernal chegou ao fim e, após acompanharmos a jornada de Sam Wilson e Bucky na busca de seus devidos papéis no mundo e de proteger o legado de Steve Rogers, nos resta agora escolher entre sofrer de saudade ou rever tudo outra vez. Ou, como no nosso caso, tomar uma xícara de café e pensar em tudo de bom que essa jornada nos proporcionou e nas derrapadas durante o caminho.
Dentre os pontos positivos, destacam-se os protagonistas (Sam Wilson, Bucky Barnes e John Walker), cada um , à sua maneira, apresenta um microuniverso dentro da série, com seus dramas e desafios muito humanos e reais, em destaque para o arco de Sam Wilson que faz um grande paralelo com eventos reais, bem como com o atual momento em que passamos.
Sam Wilson
O falcão foi sempre o braço direito do capitão américa, apoiando seja lutando contra terroristas, outros vingadores ou a armada do Thanos, sempre mostrando coragem e companheirismo. Uma vez estabelecido o herói, o que a série poderia trazer de novo? Pois é em se aprofundar na vida do Sam Wilson que o personagem ganha brilho, seu arco familiar proporciona algo que , curiosamente, os heróis da Marvel atualmente pouco trazem, conflitos reais e próximo de quem assiste, Sam não é um bilionário, não é um soldado fora de seu tempo ou um mago supremo… enquanto o falcão salva o país sobrevoando os céus, Sam não consegue um empréstimo, ele precisa se preocupar em como a família vai se manter… O falcão está lado a lado com os vingadores, mas o Sam é parado pela polícia porque o oficial “não o reconheceu sem óculos.”, essa dupla identidade entre o homem negro e o herói que agrega muito a série, principalmente após seu encontro com Isaiah Bradley, onde as questões raciais tomam um foco maduro ( com o paralelo ao caso real de 600 homens negros usados como cobaias humanas secretamente pelo governo americano no estudo de doenças.). As conversas com Isaiah são fundamentais para o arco de Sam em sua decisão de aceitar ou não o manto de capitão américa, pois agrega à auto reflexão do protagonista que gerará sua decisão final ciente de todos os riscos e implicações, morais e raciais, que acompanham. Destaque para a ótima atuação de Anthony Mackie que soube trazer o maior superpoder de seu personagem, a empatia, expressada na cena em que conversa com a líder dos apátridas, onde ele a conduz à razão com a compreensão e não com a força bruta, então quando este personagem diz “Meu superpoder é acredita que podemos fazer melhor” não vem de um demagogo, mas de alguém que sabe se pôr no lugar do outro e, com a razão, buscar a solução dos conflitos. É o arco do Sam que traz esta maturidade à série e o sedimenta como legítimo capitão américa, pois compreende que seu papel não é comandar, mas liderar pelo exemplo.
“Eu concordo com a sua luta, só não aceito a forma como está lutando.”
Bucky Barnes
O Arco de Bucky é responsável pela parte mais “espiã” da série enquanto nos aprofunda no estado mental do soldado invernal, seus desafios de viver como civil após uma vida inteira servindo como arma viva, refletindo com as dificuldades, principalmente de socialização, que um veterano passa ao ser reintegrado na vida cotidiana, como ele concilia a “vida normal” com o sentimento de culpa e a necessidade de se perdoar. Vemos aqui o impacto de sua relação com Sam, pois é do “colega de trabalho” que aprende a lição que o põe no caminho certo para o perdão próprio. Sebastian Stan arrebenta na atuação com um Bucky mais dramático e sério, contido, aquele Bucky aliviado por estar livre do controle da hidra no Guerra infinita agora precisa fazer as pazes com o passado, o soldado invernal não existe mais, sobrando para o homem limpar a bagunça. Seu arco expande esse mundo trazendo de volta as dora milaje e o Barão Zemo, que com a atuação de Daniel Brühl rouba a cena como um dos vilões mais carismáticos do MCU, que em sua distorcida visão, se vê como um anti-herói necessário. Um fato curioso é que Bucky tem um acompanhamento psicológico e estabilidade financeira para garantir uma re-acomodação menos traumática à vida civil, ficando o questionamento “Por que os veteranos, na vida real, não possuem esse mesmo acompanhamento?”
Bucky não consegue fugir da guerra até na vida cotidiana
John Walker
John Walker trás consigo um personagem complexo, que lida com a pressão de ser o novo capitão américa escolhido pelo governo e lidar com o próprio passado militar controverso, ele se dedicou para ser o soldado que a américa o treinou para ser, mas o manto do capitão é mais do que isso, e não entender o legado o direcionou para uma jornada sombria, ele associou o título com poder e o soro potencializou suas rachaduras morais, a morte do estrela negra apenas deu a justificativa de que seu dever é liderar pela força e não pelo exemplo. Wyatt Russel nos trás um Walker atormentado, tentando se encontrar nesse novo mundo, que quer fazer o certo, mas que peca na falta de autoquestionamento, deixando-se guiar, como um cão pastor que fere ou pastoreia segundo a vontade do dono. o Agente americano se coloca no papel de ferramenta em prol dos interesses do governo, sejam eles quaisquer, assim como os soldados americanos nas incursões em países estrangeiros, nos fazendo refletir sobre quem é o verdadeiro vilão, a marionete ou a mão que controla as cordas?
Pontos Negativos
Quanto aos pontos negativos, ficam na pouca exploração dos antagonistas, mais precisamente, na Karli Morgenthau, apesar da série deixar estabelecido sua motivação, falha ao apresenta-la como uma líder, não mostrando exemplos consistentes da razão pela qual tantas pessoas confiam e seguem-na cegamente. Um exemplo é ela utilizar as leis mais duras e a prisão de seus aliados refugiados como justificativa do ataque à votação, sendo que as leis foram um reflexo à explosão da base militar e a prisão dos aliados foi por estarem escondendo terroristas, se sua prioridade é cuidar daquelas pessoas, por que expô-las ao risco criando a base ali? O que ela esperava ao escalonar o nível do conflito com vítimas fatais? Estas ações combinam com o perfil de adolescente confusa agindo sozinha, mas como líder de um grupo terrorista altamente organizado, atrapalha na construção de uma líder crível. A atuação de Erin Kellyman mostra que os problemas da personagem estão no roteiro, pois ela consegue lhe passar a revolta e vontade de mudar as coisas, bem como cada passo de sua transformação de idealista para terrorista, se estivesse num roteiro que lhe colocasse numa base mais sólida, Erin conseguiria se provar como antagonista de peso tanto física quanto ideológicmente. A mesma falta de refino acontece na inconstante força da organização que, hora parece apenas um grupo isolado e indefeso e em outro momento possui um nível de penetração equivalente à hidra. Repetindo-se na falta de profundidade de Sharon Carter, por mais que seja intencional criar uma aura de mistério acerca de seu personagem, ao fim da série, não fica claro as razões pelas quais ela fez o que fez, ela estava contra ou a favor dos apátridas? Então financiou o grupo a roubar o soro dela mesma? Por qual razão?
Conclusão
Ao fim da experiência de assistir Falcão e Soldado Invernal (agora Capitão América e Soldado Invernal) tivemos uma série que tem um impacto parecido com o do Capitão América e o Soldado Invernal, de trazer um olhar maduro e real a esse mundo de robôs, magos e alienígenas, tratando de assuntos sociais relevantes com muito respeito e do legado e papel de um personagem como o capitão américa nos mundo de hoje. Tudo isso no personagem do Sam Wilson e seu conflito como um homem negro capitão américa, ou seja ser símbolo de uma sociedade que por séculos o marginalizou e oprimiu, assim como os negros americanos vivem nesse conflito negro X americano. Por mais que tenham algumas escorregadas pontuais, ao se contabilizar todos os pontos positivos, o gosto final é de mais um feliz acerto da Marvel e a confiança em explorar a mídia das séries para proporcionar um aprofundamento de seus personagens e uma expansão de seu universo que está cada vez mais gigante e mais cheio de valor.
Detalhe para um dos uniformes mais bonitos e acurados do MCU