Review | Black Paradox, de Junji Ito

Review | Black Paradox, de Junji Ito

O suicídio é um tema bem problemático, por causa de está limítrofe entre a liberdade individual e o respeito pela vida. Talvez seja o único ato de término da vida, onde o debate se torna puramente moral, já que o executor e a vítima são a mesma pessoa. Isso faz com que cada sociedade se aproxime do suicídio de uma maneira diferente, enquanto algumas culturas, como o Mediterrâneo, o criticam e o penalizam publicamente, mesmo legalmente; outros preferem torná-lo um tabu e normalizá-lo através do silêncio, como as sociedades nórdicas; não esquecendo o que não tem problema em vê-lo de frente e transformá-lo em algo não apenas pragmático, mas até honroso, sendo este o caso no Japão.

No Japão, o suicídio sempre foi um ato vinculado à tradição histórica, social e cultural do país. O tradicional Seppuku, levado a cabo por samurais e militares a longo da história nipônica. Hoje, oitenta anos após a maior guerra vivida pela humanidade, a moral e a ética japonesas ainda estão inextricavelmente ligadas a conceitos como respeito e honra. Os tempos mudaram, mas o Japão mantém taxas terríveis de suicídio, uma das mais altas do mundo, e em sua mentalidade e atitude, o ato de tirar a própria vida muitas vezes não é sem um certo sentimento de responsabilidade. Isso pode explicar sua presença no gênero de terror japonês, geralmente entrincheirado na estrutura do thriller psicológicoe ligada às histórias clássicas de fantasmas e lendas urbanas capazes de destacar a incapacidade do ser humano de entender as regras do universo.

É o que promete a narrativa de Black Paradox, desenvolvida por Junji Ito, um dos mangakas mais reconhecido do pais.  Especialista em histórias de horror, que iniciou sua carreira no final dos anos 1980 com uma história curta chamada Gekkan Halloween, graças à qual ele ganhou uma menção honrosa no Kazuo Umezu Prize. Após sua promissora estréia, Ito desenvolveria uma distorção surrealista e influenciada por autores como Hideshi Hino, Furuka Shinichi, Kazuo Umezu, mas também marcado pela fantástica literatura de Lovecraft, emergindo de sua cabeça como Uzumaki, Fragmentos do Horror ou o presente trabalho.

Temos aqui a história de um grupo de quatro estranhos que, depois de interagirem através de um site na internet,  decidem organizar uma reunião para poderem cometer um suicídio em grupo. Mas esse plano aparentemente tão simples se tornará uma loucura verdadeira e grotesca, na qual o mesmo universo demonstrará ter preparado para eles um destino muito mais incrível e assustador do que a própria morte.

Junji Ito molda um dos problemas mais presentes da sociedade moderna em seu país, a prática do suicídio, cujas estatísticas aumentam ano a ano, em especial entre os mais jovens. Encontros na Internet para dar um epitáfio tão macabro e forte às suas vidas são uma preocupação real das autoridades e da mídia japonesa. E essa situação ligará a proposta do mangaka para abordar tanto o problema do suicídio, entre muitos outros temas, como o nosso indispensável e necessário senso de identidade – reformulando o mito do doppelgänger – e no contraste de espírito e materialismo em nossa situação contemporânea.

Aqui temos Junji Ito usando a questão da identidade de alguém e a decisão de acabar com a vida, combina perfeitamente as normas do gênero de terror com uma reflexão superior que convida o leitor a se indagar. Mas após as primeiras páginas, a história se modifica. De uma trama simples que se modifica completamente o enredo, como as ilustrações como o tom. O dilema do suicídio e os problemas de identidade dão lugar a uma história em uma escala muito maior, principalmente em espetacularidade. Caminhamos em pesadelos entre o surreal e o mórbido, o paródico e o escatológico, o aterrorizante e o maravilhoso. A aura de horror cósmico de seu reverenciado HP Lovecraft está na atmosfera do Black Paradox colocando seus personagens numa imensidão esmagadora de seus próprios medos e anseios, pelo enigma indecifrável que os assombra e assedia.

É difícil falar sobre a evolução do Black Paradox sem manchar a experiência do leitor, já que Junji Ito usa continuamente mudanças/giros de roteiros (scripts) para manter a atenção o tempo todo, sabendo gerenciar as informações para que o ritmo não caia em nenhum momento momento, e iremos adentrar em questões sobre ganância, experimentação genética ou explorações científicas para universos paralelos.

O desenho de Junji Ito pode passar aparentemente desapercebido em vários momentos de seu relato até que percebemos a intensidade de sua caraterização e sobre tudo do ambiente que dota em determinados momentos, cenas perturbadoras capaz de inquietar, intrigar e seduzir, ao mesmo tempo.

Um mangá com 200 e tantas páginas que traz um suspense com traços de horror e sci-fi, onde o desconhecido, a insanidade, a vontade exagerada de possuir qualquer coisa e a morte são abordados sem perder o ritmo. Recomendo, mas com algumas ressalvas, se prepare para o grotesco.

PS. Não temos ainda edição em português, desse trabalho, esperamos que a Devir,  a DarkSide ou a Pipoca & Nanquim ou outras editoras, possam olhar para a obra e publiquem por aqui. A edição lida é espanhola, da ECC Ediciones, que possui ainda dois contos, mas que não iremos tratar neste momento.

 

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