A visibilidade de personagens femininos na Casa das Ideias é um acontecimento que reflete uma inquietude cada vez mais presente em nossa sociedade. E já era tempo, e no caso dos quadrinhos, o significado do número de leitoras com interesses e sensibilidades distintas colocou o feudo dos super-heróis em cheque. A Marvel Comics oferece um amplo leque de personagens femininas para que as novas leitoras se identifiquem e que seja uma porta de entrada a seu universo. E entre as diversas personagens a que encabeçará um filme solo será uma das mulheres com mais história na editora: a Carol Danvers, a primeira Ms. Marvel, hoje conhecida como Capitã Marvel, a personagem da semana. Piloto, militar, super-heroína, vingadora, aventureira espacial… Carol foi muitas coisas ao longo de sua trajetória, e é o que iremos apresentar aqui no Mundo Hype.
Surgida no final dos anos 1960, na edição 13 da Marvel Super-Heroes, criada pela dupla Roy Thomas e Gene Colan, roteiro e arte, respectivamente. Carol Danvers era a chefe de segurança da instalação da NASA em Cabo Canaveral, onde trabalhou o Dr. Walter Lawson, o alter ego humano do então Mar-Vell, o renegado herói Kree que ficaria conhecido como Capitão Marvel. Com a patente de coronel da Força Aérea dos Estados Unidos, mas infelizmente, seu papel era de mero interesse romântico ocasional, naquele arquétipo da donzela em perigo durante a fase em que a personagem estava ligada ao ambiente de Mar-Vell. Até que um inimigo do herói utilizando de uma arma desconhecida fizesse a fusão dos DNA de Carol e do kree, dando habilidades sobre-humanas semelhantes às possuídas pelo Capitão Marvel. No entanto, isso não seria revelado até algum tempo depois.
Por causa de sua ineficácia em proteger instalações contra ataques sobre-humanos, Carol foi transferida para um outro complexo militar e lá mais uma vez um vilão ataca, roubando um gás letal (Capitão Marvel # 34, 1974). O Capitão Marvel enfrenta Nitro, sendo esta a batalha que iria expor Mar-Vell a substância que originaria ao câncer que ceifaria sua vida anos depois, na lendária A Morte do Capitão Marvel. Após o ataque de Nitro, Carol finalmente renuncia seu posto na NASA.
Nos anos 1970, a Marvel começou a apresentar novas personagens femininas em seu universo. Mas eram meras contrapartes de alguns dos personagens masculinos mais populares da editora naquela época. Foi nessa época que Carol foi recuperada, para se tornar Ms. Marvel, a contraparte feminina do herói Kree. Apesar de ser uma versão do Capitão Marvel, uma curiosidade deu um certo ar progressivo no título que encabeçaria. A palavra Captain (Capitão) não faz distinção entre os gêneros e a editora já tinha um herói com esse nome. Para evitar a confusão que poderia ocorrer ao ter duas séries chamadas da mesma forma, foi escolhido o Ms. Marvel. Como “Mr.”, “Ms.” era aplicado independentemente para mulheres casadas e solteiras e considerando uma forma de tratamento mais igualitária, a escolha foi naqueles anos uma forma de progressismo.
Assim, em 1977, a primeira edição de Ms. Marvel surgiu, com Gerry Conway e John Buscema, com capa de John Romita. Aqui, descobrimos que Carol após publicar um texto no Clarim Diário, onde mostrava os bastidores da NASA. Aquela “roupa suja” abriu as portas para entrar como editora da Woman Magazine, uma revista financiada por JJ Jameson, que refletia a conhecida revista Cosmopolitan do mundo real. Enquanto trabalhava, Carol começou a sofrer estranhos “apagões”, uma perda de memória. Efeito colateral da exposição daquele acidente que fez compartilhar o DNA kree de Mar-Vell, acabaram dividindo sua psiquê em duas personalidades, que logo se integraria. Ciente da origem de seus poderes e sua natureza como um híbrido humano/Kree, Carol finalmente adota o título de Ms Marvel em homenagem a Mar-Vell.
Após alguns números com Conway a frente, um Chris Claremont assume o roteiro. Bem antes de Uncanny X-Men, Chris trouxe vários vilões que usaria na franquia dos mutantes, como Rapina, Mística ou Dentes de Sabre. Dave Cockrun também deixou sua marca, um novo uniforme que substituía o original de Buscema: o vermelho deu lugar ao azul escuro, a estrela do peito tornou-se um relâmpago e apareceu o lenço amarrado à cintura. A série, infelizmente, foi até o número 23, delegando à personagem convidada especial em vários outros títulos da editora.
Com o tempo, Ms. Marvel tornou-se renomada, chegando a participar de algumas aventuras ao lado dos Vingadores. Até que em Avengers #183 substitui a Feiticeira Escarlate que tinha licenciado com seu irmão em busca de suas origens. E no grupo colabora contra inimigos como Ultron, Homem Absorvente, Gárgula Cinzento, etc. Mas sua primeira participação nos Vingadores termina abruptamente em Avengers # 200 (1980), com Jim Shooter e George Pérez a frente, numa história que foi bastante criticada ao longo dos anos. Na época foi considerado uma traição à essência feminista que caracterizava Carol nas páginas de Ms. Marvel e ler a verdade é que hoje é normal que este número despertar a indignação do leitor.
Nessa história, Carol foi sequestrada por um homem, Marcus, que parecia ser o filho de Immortus, um semi-deus do tempo. Durante um breve período que ficou no Limbo, Carol se apaixonaria por Marcus e dormindo com ele. Logo, retornaria a Terra sem lembranças do que aconteceu, mas estava grávida. A gravidez não foi normal, em poucos dias o período de gestação foi concluído e Carol deu à luz uma criança que cresceria em ritmo acelerado. O garoto, que era Marcus reencarnado, construiu uma máquina estranha para os Vingadores. Ele precisava daquela máquina para se manter na Terra, os heróis considerando uma ameaça a destroem e Marcus foi forçado a retornar ao Limbo, levando Carol, sem que os Vingadores tentasse detê-lo.
Parece que Jim Shooter não tinha ideia das implicações negativas dessa história. vejamos bem, Carol foi um objeto, sequestrada, acabou “se apaixonando” e violada, mas o pior, pois acabou seguindo aquela pessoa que a usou sem que nenhum vingador se opunha. Tudo isso foi contra a natureza independente da personagem, além de ser totalmente contrária à ética do grupo de heróis. Críticas e ensaios seguiram e o próprio Claremont, já sentado na fama mutante, considerou inaceitável o que haviam feito com a Ms Marvel e decidiu fazer algo a favor da personagem.
Chris reclamou para que a personagem entrasse para a série mutante, o que aconteceu após os acontecimentos de Avengers Annual #10 (1981). A edição especial dos Vingadores trouxe uma versão bem distinta da história de Marcus, que deixava claro que desde o início Carol foi manipulada pela sua tecnologia e que o sentimento era um engano. O roteirista abordou a questão que a personagem não desejou Marcus em nenhum momento e que sua sua gravidez foi sem consentimento e o que aconteceu foi através das máquinas do Limbo. Ao retornar para aquela dimensão, a influência se desvaneceu e Carol voltou a si, recuperando a consciência. E nem precisou se vingar, pois Claremont se assegurou de que o cara pagasse por seus atos. Assim, Carol volta ao seu mundo, ressentida com os Vingadores que não fizeram nada para ajudá-la. Passou a evitar contato com eles e mudou-se para a Costa Oeste, se estabelecendo em San Francisco.
Foi nessa edição que a Ms Marvel encontrou Vampira pela segunda vez, e a mutante, sedenta de vingança, absorveu permanentemente as memórias e poderes da heroína, jogando seu corpo da famosa ponte da cidade. Salva pela Mulher-Aranha que alertaria os Vingadores e os X-Men sobre a Irmandade Mutante. O roteirista já tinha em mente fazer um recall da personagem, recriando sua origem como heroína.
Quando a Irmandade foi derrotada, Carol se mudou para a mansão de Charles Xavier, que ajudou com seus poderes telepáticos para recuperar suas memórias. E quando passou na cara dos Vingadores em uma visita, que se sentia traída por seus amigos ao permitirem ser levada ao Limbo, era a voz de Claremont na boca de Carol Danvers. O escritor dos X-Men aproveitou a situação para convertê-la num personagem recorrente nas páginas futuras. Assim passa a conviver com a equipe, contando com o apoio de todos e especialmente de Logan, conheceu na época que trabalhou na CIA, antes de entrar na Nasa. Ela passou a acompanhar os X-Men em algumas missões e numa delas quando ajudou os mutantes a apagar os arquivos que os militares tinham sobre eles, aproveitou também para apagar seu próprio passado. Um ato que seguia o plano de Claremont, deixar para trás o passado de Miss Marvel, só faltava novos poderes e um novo sentido a sua vida.
Numa aventura pelo espaço quando os X-Men enfrentaram a Ninhada, Carol foi sequestrada e foi submetida a testes que despertou todo o potencial de seus genes híbridos. E com o poder de manipular energia das estrelas se tornou Binária, e num novo aspecto, desenhos de Dave Cockrum, a mostrava com uma coroa de chamas ao redor da cabeça cada vez que utilizava suas habilidades. Agora era considerado algo mais que humano e já não sentia nenhum vínculo com seu planeta natal. Decide permanecer no espaço, se unindo aos Piratas Siderais, com os quais viveria aventuras no extremo da galáxia e um novo começo nas estrelas, em especial ao saber que Vampira se tornaria integrante dos X-Men.
Binária teve algumas aparições dispersas após Claremont, sendo delegada a lista de personagens destacados da vertente cósmica do Universo Marvel. Mas seu papel na saga Operação Tempestade Galáctica (1992), um extenso crossover que narrou os efeitos da guerra entre os impérios Kree e Shi’ar, foi bastante importante. Nele, ao salvar o Sol que se expandíria, exauriu seus poderes cósmicos, conservando suas capacidades de manipulação de energia, níveis de poder se reverteram quando era Ms. Marvel. Passou uma temporada se recuperando na mansão dos Vingadores, perdoando os erros do passado e retornando à equipe como Warbird.
Em 1998, Kurt Busiek e George Pérez assumiam o título dos Vingadores para devolver o classicismo que perderam durante anos anteriores. Após uma aventura épica enfrentando Morgana Le Fay, Carol se integra oficialmente no grupo como parte de uma nova formação, mas sua participação durou apenas três números e um especial. Busiek planejava introduzir uma característica que não tinha sido mostrada antes: o alcoolismo. Depois de tudo que sofreu, os traumas seguidos, a heroína recorreu ao álcool. Os demais vingadores tentaram ajudá-la, mas ela ia embriagada em lutas, e antes de ser expulsa da equipe, ela mesmo saiu da equipe por sua conduta imprópria para uma Vingadora.
Mas Busiek não demoraria para recuperá-la. Sua ideia era que a bebida fosse um substituto a sensação que os poderes estelares de Binária proporcionava a personagem. Seus fracassos fez com que se reinventasse, superando o vício, com a ajuda de Tony Stark e reclamando seu posto como vingadora. E com um novo senso de responsabilidade e sabedora que seus poderes estavam significativamente reduzidos, participou da derrota de vilões poderosos como o feiticeiro Kulan Gath, o Conde Nefaria, Kang e uma nova encarnação de Marcus.
Quando Geoff Johns assumiu os roteiros dos Vingadores, com desenhos de Olivier Coipel, Carol começa a trabalhar para a S.H.I.E.L.D., colaborando ocasionalmente com o grupo, centrando suas atividades para o governo.
E Brian Michael Bendis chegou, um evento que mudaria a história dos Vingadores, como de todo o Universo Marvel. Logo em Avengers Disassembled Carol esteve presente durante aqueles acontecimentos que marcariam a ruptura da equipe clássica e o surgimento dos Novos Vingadores, onde Carol não estaria presente. Segue os eventos da Dinastia M, onde a Miss Marvel se torna a maior heroína não mutante da Terra, amada por todos. E com o fim daquela realidade, Carol Danvers descobre que aquele reconhecimento era o que queria, sai da SHIELD, retornando a ser independente e contrata uma relação publicas para que chegue àquela popularidade e ganha uma nova série com Brian Reed escrevendo os roteiros.
A série foi afetada pela Guerra Civil e Carol se alinhou com o grupo pró-registro, por sua sua lealdade ao governo americano e sua amizade com Tony Stark, o que levou a enfrentar o Capitão América e muitos amigos que se opunham no Ato de Registro de Superhumanos. Após a derrota do grupo anti-registro, Carol entra na Iniciativa dos 50 Estados e se torna líder dos Poderosos Vingadores, enfrentando vilões como Ultron e o Doutor Morte e caçando renegados anti-registro como a Mulher-Aranha. Em sua série a IMA, MODOK e O Mestre dos Brinquedos foram seus inimigos recorrentes, mas foi com o regresso da Ninhada, que marcou Carol, por lembrar o tempo de Binária e uma rainha ter bloqueado seus poderes. Mas isso não impediu que alcançasse a vitória.
Durante a Invasão Secreta, a famosa conspiração skrull, Norman Osborn ocupa o lugar do Homem de Ferro após a derrota dos alienígenas e a morte de sua rainha por suas mãos. Carol renuncia a seguir nos Poderosos Vengadores e se integra aos Novos Vingadores, o que leva Osborn a fazer a vilã Rocha Lunar se passar por Ms. Marvel na equipe que formou. As duas entram em uma dura batalha em um arco, War of the Marvels (Ms. Marvel Vol 2 #42-46, 2009), onde que Osborn tentou acabar com sua vida. Os fantasmas do passado como a morte do Capitão Marvel e o ódio a Mística finaliza sua série.
Participou do assédio a Asgard que levaria ao Reinado Sombrio de Osborn. Segue Essência do Medo e Vingadores Vs. X-Men, durante o choque entre os dois supergrupos para evitar a Força Fenix à Terra, Carol se reencontra com um Capitão Marvel ressuscitado pelos Kree com o poder do cristal M’Kraan para unir os habitantes de Hala frente a chegada da Fênix. A equipe de Vingadores de Carol fracassou em deter a entidade cósmica, o que obrigou a Mar-Vell a se sacrificar para salvar seu mundo (2012). Carol decidir assumir de vez o legado do herói e abandona o título de Ms. Marvel, se tornando a Capitã Marvel.
Sob o roteiro de Kelly Sue DeConnick e Jamie Mckelvie, Carol recebe o legado e seu empoderamento já é sentida na primeira cena da nova série, onde dava ordens no Capitão América enquanto lutava com um vilão. Novo uniforme (cortesia das Indústrias Stark), um novo corte de cabelo e uma nova disposição. DeConnick retoma sobre suas origens, apresentando uma das mulheres que conduziu Carol a ser piloto, Helen Cobb, cujo legado póstumo levaria a heroína numa viagem no tempo que fez reviver o momento de sua origem. Carol teve a chance de mudar o passado e evitar que seus poderes surgissem, mas acabou tomando a única decisão possível, ou seja, deixar que as coisas aconteçam. Com o estupendo desenho de Emma Ríos, o subtexto femista se coloca no primeiro plano: a heroína que conhecemos não foi um produto de um acidente e sim uma decisão sua.
O cotidiano de Carol é amparado na série, narrando fatos de sua vida comum, como também a descoberta de um tumor e que sempre que voasse a condição se agravaria, fazendo o uso de uma moto voadora para tal. Porém sacrifica parte de sua memória ao enfrentar o mesmo vilão que causaria a explosão que compartilhou o DNA kree, Yon-Rogg que convocou velhos inimigos da Capitã. Além de suas aventuras solos, também participa como membro dos Vingadores, por exemplo, na saga Infinito.
Após 17 números a série finalizava, com Carol voltando as estrelas e conhecendo uma jovem paquistanesa Kamala Khan, que se tornaria a nova Ms. Marvel. Com Brian Michael Bendis e Sarah Pichelli, Carol abandona a Terra e se une aos Guardiões da Galáxia por uma temporada. DeConnick e o desenhista David López apresentam uma nova série narrando a jornada de Carol pelo espaço como parte de sua própria busca interior após a lesão que a fez perder a memória. A adoção de uma gata alienígena e mais aventuras junto aos Guardiões da Galáxia tornam a série bastante divertida.
Carol volta ao seu planeta para que Jonathan Hickman a levasse aos Vingadores mais uma vez e aos efeitos do evento Guerras Secretas. E em Battleworld, uma das diversas minisséries publicadas houve uma que Kelly Sue DeConnick e Kelly Thompson trazia a relação entre a personagem e a aviação, apresentando uma Coronel Carol Danvers alternativa e seu esquadrão Banshee, um grupo de intrépidas pilotos.
E chegamos a All-New All-Different Marvel onde a Capitã Marvel terá uma posição mais proeminente. A Marvel Comics tem consciência da popularidade que a personagem acumulou nos anos mais recentes e sua intenção de potencializar segue o caminho para a estreia da personagem no cinema, cuja estreia foi anunciada para março de 2019. E uma nova série foi lançada em 2016 com Michelle Fazekas e Tara Butters a frente do roteiro, as duas foram produtoras da série de televisão Agent Carter e arte de Kris Anka, que revisa o uniforme que Jamie McKelvie fez.
Carol assume um novo papel como primeira linha de defesa da Terra contra as ameaças do espaço, onde tem que demonstrar seus dotes como guerreira como suas habilidades como diplomata. Teve um papel importante em Civil War II, onde mediu forças contra o Homem de Ferro. Após a conclusão do evento, Danvers estrela um novo título, com Margaret Stohl e Ramon Rosanas preparando a personagem ao cinema.
Piloto, militar, agente da CIA, editora de revista, super-heroína, vingadora, aventureira espacial, ícone feminista e principal personagem da Era Marvel das Mulheres Empoderadas… Carol foi muitas coisas em sua trajetória editorial. Passou por um momentos mais vergonhosos que já vi a um personagem tão independente e valorosa quanto ela. Se reinventou a si mesma diversas vezes. Seu desenvolvimento recente abriu uma nova forma de conceber personagens mulheres dentro deste universo de ficção. O que podemos esperar dessa nova fase, cinematográfica, é a segurança de que será um lugar que merece ser conferida.