Homer Smith, um trabalhador da construção civil desempregado, dirigindo-se a oeste para em uma fazenda remota no deserto para conseguir um pouco de água quando seu carro superaquece. A fazenda está sendo cuidada por um grupo de freiras católicas do Leste Europeu, chefiada pela rígida Madre Maria, que acredita que Homer foi enviado por Deus para construir uma capela muito necessária no deserto.
Análise
Sidney Poitier interpreta um ex-soldado obstinado, que agora como um trabalhador da construção civil, se dirige para o Oeste, atrás de emprego. Acaba chegando numa fazenda no deserto, onde encontra freiras alemãs, comandadas pela rígida Madre Superiora Maria, interpretada por Lilia Skala (1896–1994). Uma amizade se inicia, frente ao trabalho que pedem ao jovem negro, e de maneira agradável, o mesmo ajuda, e entra numa missão divina particular até o final emocionante.
Uma Voz na Sombras (Lillies of the Field) foi uma daquelas histórias que Hollywood gosta de contar sobre si mesma. Um filme rodado em apenas duas semanas com uma grande estrela trabalhando muito abaixo de seu salário habitual e um monte de atores sem nome no resto do elenco e acaba concorrendo a Melhor Filme com blockbusters como Cleópatra, A Conquista do Oeste, e Tom Jones. O filme de Ralph Nelson (1916–1987) poderia ter ganhado mais alguns Oscars se não fosse por Tom Jones na corrida.
É impossível não amar o charme inocente do filme, adaptado do livro de William Edmund Barrett, esta é uma história simples, leve, que se sustenta na atitude e na confiança infantil em resultados positivos. A cinematografia em preto e branco carrega ecos de uma era mais inocente, que não levanta amplamente questões raciais.
Curiosamente, apesar de ter sido lançado no auge do movimento pelos Direitos Civis, o filme não aborda qualquer perspectiva racial sobre Homer e as freiras (exceto no sentido de que as freiras são alemãs). Pode-se esperar que a história represente essa diferença óbvia como um obstáculo a ser superado, mas o fato dele ser negro e elas serem brancas nunca é realmente mencionado.

O enredo de James Poe (1921-1980) depende muito do relacionamento contínuo entre os dois personagens, mas não é cansativo; entretém e há vários momentos divertidos, em especial pelas diferenças dos personagens. O maior do filme são os duetos musicais entre Poitier e as freiras. Infelizmente, o principal descuido do filme é que, entre as freiras, apenas o personagem de Madre Maria é desenvolvido de forma significativa. As outras irmãs, que mal falam inglês, desempenham papéis secundários mais ou menos idênticos, simplesmente preenchendo o grupo.
O filme é bem ambientado com belos cenários rurais, fotografia sensacional de Ernest Haller (1876-1970). Comovente e fenomenal partitura do grande Jerry Goldsmith (1929- 2004) e belas canções de blues de Poitier.
É um filme fascinante, tranquilo, perfeitamente atuado e referente à narrativa sobre a construção de uma igreja. Refrescantemente direto em sua narrativa simples, Uma Voz nas Sombras encanta sem esforço com personagens simpáticos, drama suave e a ideia de encontrar – ou talvez mais apropriadamente, fazer – o milagroso no nosso dia a dia.
Homenagem póstuma: Sir Sidney Poitier (1927–2022)
“Eu escolhi usar meu trabalho como um reflexo dos meus valores.”
Sidney Poitier, o ator inovador que transformou a forma como os negros eram retratados na tela, e se tornou o primeiro ator negro a ganhar um Oscar de melhor ator e o primeiro a levantar grandes bilheterias, faleceu no dia 06 de janeiro, aos 94 anos em sua casa, em Los Angeles. Sofria com um câncer de próstata, insuficiência cardíaca e demência.
Poitier nasceu prematuramente em um veleiro a caminho de Miami, Flórida, Estados Unidos, no dia 20 de fevereiro de 1927 enquanto seus pais, agricultores das Bahamas, viajavam para vender sua produção. Cresceu na pobreza, tinha pouca educação formal e aos 15 anos foi enviado para Miami para morar com seu irmão, a fim de evitar uma crescente tendência à delinquência. Nos EUA, viveu o abismo racial que divide o país, um grande choque para um menino vindo de uma sociedade majoritariamente afrodescendente.
Aos 18 anos, foi para Nova York, e de trabalhos braçais chegou a uma audição em um teatro; rejeitado com tanta força que Poitier dedicou os próximos seis meses a superar seu sotaque e melhorar suas habilidades de atuação. Em sua segunda tentativa, foi aceito e chegou a Broadway após um ensaio por um agente de elenco. E de lá ao cinema, em 1949, teve que escolher entre papéis principais no palco e uma oferta para trabalhar em O Ódio é Cego (1950). Seu desempenho como médico tratando um fanático branco o chamou bastante atenção e levou a mais papéis. No entanto, os papéis ainda eram menos interessantes do que os atores brancos tinham. Mas sete anos depois, depois de recusar vários projetos que considerava humilhantes, Poitier conseguiu papéis que o catapultaram para uma categoria raramente alcançada por um homem afro-americano da época, a de protagonista.

Um desses filmes, Acorrentados (1958), rendeu a Poitier sua primeira indicação ao Oscar de Melhor Ator. Cinco anos depois, ganhou o Oscar por Uma Voz nas Sombras (1963), o primeiro afro-americano a ganhar um papel de protagonista; permaneceu ativo no palco e na tela, bem como no florescente movimento dos Direitos Civis. Seus papéis em Adivinhe Quem vem para Jantar (1967) e Ao Mestre, com Carinho (1967) foram marcos para ajudar a quebrar algumas barreiras sociais entre negros e brancos. O talento, a consciência, a integridade e a simpatia inerente de Poitier o colocaram em pé de igualdade com as estrelas brancas da época. Ele assumiu a direção e produção de filmes na década de 1970, alcançando sucesso em ambas as arenas. Nomeado cavaleiro pela Rainha Elizabeth II em 1974 e homenageado com a Medalha Presidencial da Liberdade em 2009, Poitier recebeu ao longo da vida 28 prêmios e 47 indicações. Deixou seis filhas: a escritora, design de jóias e produtora de elenco Beverly Poitier-Henderson (1952), a atriz e professora de atuação Pamela Poitier (1954), a cozinheira Sherri Poitier (1956), Gina Poitier (1961-2018), a diretora Anika Poitier (1972), e a atriz Sydney Tamiia Poitier (1973).