Vittorio, um ourives em busca de sua percepção de beleza, conhece Sonia e consegue convencê-la a perder peso de forma nada saudável.
Análise
Um filme de Matteo Garrone (1968), inspirado em uma notícia que realmente aconteceu, onde disseca cada dobra de uma história de amor extremo desde o início. A tentativa de apresentar ao espectador o comportamento maníaco de um personagem e sua patologia contra seu parceiro foi perfeitamente bem-sucedida. E não só. Essa atenção às pequenas histórias do cotidiano, traço distintivo da forma de fazer cinema de Garrone, faz de Primo amore (2004) uma reflexão não estereotipada e nunca banal sobre o tipo de relações sociais admitidas pela nossa sociedade.
Conta uma história de amor de contornos noir com a já habitual essencialidade, onde se analisa o instinto, ainda que raro, que leva alguns à autodestruição. Destruição do amor, do casal e de si mesmo que os dois protagonistas mostram cada vez mais claramente em seus rostos: a severeridade inflexível do artista e a conscternação emaciada da musa.
Os personagens se movem em paisagens urbanas vazias e desoladoras, feitas quase fantasmagóricas pela esplêndida fotografia de Marco Onorato (1953–2012). Do ponto de ônibus na primeira cena até a torre final, Sonia (Michela Cescon) e Vittorio (Vitaliano Trevisan) acabarão se isolando inexoravelmente das outras pessoas. Os únicos personagens secundários que se aproximam de seus assuntos são colegas de trabalho cujos nomes só eles conhecem.
O cinema de autor italiano oferece um filme que, além de uma estética estranha, transmite ao espectador uma mensagem dura. Um confronto de drama crescente, uma luta desesperada que a câmera acentua com contínuos closes de pele, vértebras e costelas; nada se esconde ao olhar do espectador que percebe o cansaço e a fragilidade daquela “flor sedenta” em que Sonia se transformou.
Homenagem póstuma: Vitaliano Trevisan (1960–2022)
O escritor, ensaísta, dramaturgo, ator e roteirista Vitaliano Trevisan foi encontrado morto em sua casa em Vicenza, no dia 7 de janeiro. Protagonista do filme, Trevisan também foi o co-autor do roteiro com Massimo Gaudioso (1958), Primo Amore competiu no 54º Festival de Cinema de Berlim.
Trevisan nasceu em Sandrigo, na província de Vicenza, em 1960. Depois de uma juventude passada como balconista no setor de móveis, dedicou-se a trabalhos mais manuais até desembarcar na literatura. Ganhou notoriedade e premiado na Itália com um livro sobre fobias e comportamentos obsessivo-compulsivos (I quindicimila passi, 2002). E começou a enveredar em vários campos, como ator no cinema, escrevendo peças de teatro, ensaios e livros. Em 2021 foi internado para tratar de sua saúde mental e dois meses após a alta do hospital, cometeu o suicídio por overdose de barbitúricos.