Endell Nelis foi um esgrimista e treinador estoniano que durante a sua adolescência foi recrutado para servir ao exército da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Após a guerra, fugindo da polícia secreta soviética, ele passa a ensinar esgrima em uma pequena cidade, porém seu passado controverso volta para atormentá-lo.
Parcialmente baseado na história real de Endell Nelis, o filme O Esgrimista (Miekkailija, 2015) foi indicado ao Globo de Ouro de 2016 e também a candidatura da Finlândia ao Oscar no mesmo ano, mas não conseguiu entrar nos cinco finalistas. É um trabalho admirável do diretor finlandês Klaus Härö (1971), com um roteiro adaptado a partir do romance de Anna Heinamaa (1961), no qual contava a história do campeão de esgrima Ender Neils, vivido por Märt Avandi (1981).
O filme relata o retorno ao seu país – Estônia – fugindo da polícia secreta de Leningrado. Lá encontra trabalho como professor em uma pequena capital provincial, Haapsalu. Nelis inicia um trabalho que o faz se apaixonar pelos pequenos da escola a quem inculca a sua paixão pela esgrima. Aos poucos se torna um pai para todos eles. Neils está ciente disso e não pode falhar com eles.
A atmosfera e o ambiente são retratados de forma realista, realçados pela pobreza pós-Segunda Guerra Mundial e cenas de clima cinza, mas há espaço suficiente para a dimensão humana e até mesmo algum romance. Mas não estamos diante do típico filme biográfico, e tampouco de um filme de superação. Temos um filme onde o protagonista está ciente de suas ideias e ações. Vive um momento em que a sociedade que o cerca vive em constante paranóia sobre o regime que viveu e só vê traidores em todos os lugares. Uma sociedade que é encorajada a trair seu parceiro. É difícil ser o primeiro a dar um passo à frente como o avô de um dos alunos de Ender interpretado magnificamente por Lembit Ulfsak, em um papel breve, mas emocionante (foto abaixo).
As ótimas atuações e os momentos tensos agregam valor ao filme. Todas as crianças deram o seu melhor (em muitos filmes, as falas infantis parecem roubadas, mas não aqui).
Curiosamente, a parte mais fraca do filme é a reta final onde as crianças têm que materializar o que aprenderam em um torneio entre escolas de várias cidades russas. O diretor não faz o espectador participar do que acontece no torneio e decide focar essa parte mais no medo do professor de estar em terras inimigas. Tudo o que vemos relacionado ao torneio é sem graça e trivial.
Mesmo assim, O Esgrimista é um filme bastante interessante, uma história sobre sobreviver e fazer escolhas sob circunstâncias difíceis e imprevisíveis, quando todo “hobby” ou empreendimento não ideológico ajudou a superar a miséria ao redor – pelo menos temporariamente. Uma história onde descobrimos o quão difícil é ser consistente com suas ideias, especialmente na Rússia em 1950.
Homenagem póstuma: Maria Klenskaja (1951–2022)
A atriz estoniana Maria Klenskaja faleceu aos 70 anos, no dia 06 de janeiro, após uma longa luta contra uma doença. No filme O Esgrimista fez o papel de uma professora no Conselho da Escola que permitiu que ele ensinasse esgrima para os alunos.
Considerada a consciência do teatro estoniano e guardiã da memória e da cultura de seu país, sua perda foi muito sentida. Nascida em 29 de janeiro de 1951 na então Estônia Soviética, formou no Ensino Médio em 1968, de onde entoru no departamento de artes cênicas do Conservatório Nacional de Tallinn. Nos anos 1970, trabalhou como adereços e maquiador no Teatro Nacional da Juventude da Estônia e em 1974 debutou como atriz no Teatro de Drama da Estônia em 1974, trabalhando até os anos 1990 em vários teatros europeus e de 1989 até quase 2020 no Teatro Nacional da Estônia. Trabalhou em muitos filmes, novelas, séries de TV e animações, produções de seu país e de países vizinho, como Finlândia, Lituânia, etc. Recebeu todas as premiações possíveis de seu país na atuaçõ, sendo homenageada em 2002 pelo governo estoniano com a Cruz de Prata (Valgetähe IV). Casada com o ator Aarne Üksküla (1937–2017), com o qual teve uma filha.