Castlevania não é somente a enésima tentativa de produzir um anime fora do Japão. Adi Shankar, seu produtor, dá a série da Netflix um apreço como homenagem aos videogames que cresceu jogando, como muitos que leem esse artigo. Foi como um projeto pessoal, mas também uma série feita por fãs e para fãs que se pode desfrutar sem nunca ter jogado a saga da Konami. Mesmo assim, a cumplicidade com aqueles que entraram no castelo de Drácula em algum momento de suas vidas é sentida e vai além da tela, dando um valor especial ao todo.
Enfim, a série se torna cúmplice com o leitor, o espectador e o jogador do game numa naturalidade incomum. E o mais curioso, para quem acompanha outros lançamentos, a série de Castlevania não desperdiça seu lado nostálgico, meio que arriscado, se não fosse planejado em seu desenvolvimento, nem precisaria dessa nostalgia.
Uma história que conta com o mérito de ser dirigida a um público adulto baseada num game que, paradoxalmente, muitos na infância e na juventude jogaram. Se bem que as três temporadas que já saíram tomam tomam emprestado um pouco de outros versões, o enredo principal é baseado nas aventuras que começamos a viver há trinta anos (ou mais) no NES por meio de Castlevania III: Dracula’s Curse. É lógico que abre caminho para novas tramas e evocar títulos como Castlevania: Curse of Darkness e o aclamado Castlevania: Symphony of the Night, tomando como referência visual as ilustrações e a arte de Ayami Kojima.
Castlevania traz essas referências desde os seus quatro primeiros episódios, que nos levam ao mencionado Dracula’s Curse e eclode precisamente no clímax de sua segunda temporada. E assim sua continuidade enreda várias pontas soltas meticulosamente escolhidas, com o objetivo inequívoco de abordar novas lances narrativos, já a partir de sua própria identidade. Mas como foi alcançado isso tudo, raramente visto nas adaptações de videogame? Que elementos o tornam tão especial? O que teremos nas próximas temporadas? Bem, as respostas para compreender o futuro é necessário conhecer o passado. E, no caso de ‘Castlevania’, é importante esse olhar.
A primeira tentativa de desenvolver Castlevania
Coincidências da vida, a primeira vez que tentaram adaptar Castlevania ao formato de filme ocorreu em 2007, ano que a Netflix entrou para o formato Video On Demand. Nessa época os dois projetos eram completamente separados e não relacionados. Mas vamos se atentar somente a série, o primeiro passo, logicamente, era a aquisição de direitos. A Frederator Studios, com um histórico na Nickelodeon e na Cartoon Network, conseguiu sair a frente com a Konami para lançar uma adaptação de Castlevania III: Dracula’s Curse que seria distribuída domesticamente, com Koji Igarashi (produtor dos jogos) responsabilidade às decisões criativas. Warren Ellis ficou responsável pelo roteiro, que praticamente desconhecia a saga do jogo, apesar de ter encontrado uma transcrição japonesa do encanto que tinha aos filmes de terror de Hammer que tanto gostava. mesmo assim, foi mais complicada do que ele esperava: a pedido do próprio Igarashi, o roteiro foi reescrito cinco vezes.
Mesmo assim, sendo uma produção para um público adulto, Elis teve liberdade, introduzindo cenas realmente explícitas no processo. Idealizou como uma história dividida em três grandes arcos, adaptando Dracula’s Curse, apresentando os personagens principais (Drácula, Trevor, Sypha e Alucard ) ao longo do primeiro, porém no ano seguinte o projeto foi abandonado e nada aconteceu pelo menos até 2012.

Embora Shankar tenha tido a oportunidade de participar de Castlevania através do roteiro de Ellis logo após Dredd, o cineasta indo-americano declinou a considerar uma adaptação Castlevania III: Dracula’s Curse através de uma live action, que seria um erro não muito diferente de outros projetos baseados em videogames que foram uma decepção retumbante para os fãs. E é aí que o último dos elementos-chave entra em cena: o diretor Sam Deats e Powerhouse Animation Studios.
O estúdio começou a negociar com a Netflix a possibilidade de adaptar o roteiro de Ellis aprovado pela Konami e por Igarashi, fazendo com que os Frederator Studios, Warren Ellis e Shankar desenvolvessem a primeira temporada de apenas quatro episódios. As referências, além dos jogos de Castlevania e o estilo visual de Ayami Kojima, animes como Ninja Scroll e Vampire Hunter D foram importantes para compor o resultado final. Os quatro primeiros episódios de ‘Castlevania’ estrearam em 2017 (dez anos após o início da iniciativa) e alcançou uma rápida atualização, dobrando o número de episódios. Finalizando, de forma excepcionalmente satisfatória, os eventos do jogo Dracula’s Curse nos episódios finais. E, ao mesmo tempo, alinhando mais plot twist para o que está por vir.
Dracula’s Curse: a linha do tempo

Lançado em 1990, o jogo Castlevania III: Dracula’s Curse é um prequel cujos eventos ocorrem 215 anos antes das outras versões anteriores de Castlevania no NES. E mesmo não sendo considerado o melhor da série, é o ponto de partida perfeito para descobrir o destino da linhagem Belmont e do próprio Drácula. Tanto o jogo quanto a primeira temporada de Castlevania nos levam à Valáquia durante o ano de 1476, um período sombrio em que o Conde Drácula começou a devastar a Europa através de seu exército de criaturas da noite e outras. seres malignos. Seu plano: exterminar a humanidade.

Embora no jogo não tenha a necessidade de apresentar uma razão para o vilão, embora a Konami tenha se esforçado para contextualizar, o roteiro de Warren Ellis ofereceu um cenário: Drácula estava desencadeando uma vingança furiosa contra a humanidade, que sentenciou Lisa Tepes à morte, sua amada esposa, a única mortal que conseguiu levar um pouco de bondade no coração do senhor dos vampiros.
Nesse contexto sombrio, aparece Trevor Belmont, o último descendente do quase extinto clã caçador de monstros, exilado devido ao medo de sua força sobrenatural. E embora na série da Netflix sua intervenção se deva a uma sucessão de eventos, no jogo segue seu destino e confronta seu inimigo, após um pedido desesperado daqueles que o condenaram no passado.
Para quem jogou, Trevor iniciará um expurgo demoníaco com seu chicote, enfrentando todos os tipos de monstros e criaturas da noite. E você não estará sozinho, podia recrutar até três aliados: Sypha Belnades, uma feiticeira capaz de conjurar os elementos; o filho de Drácula, Alucard; e Grant Danasty, um pirata que foi descartado da série, apesar de ser mencionado no início da terceira temporada. E assim atravessa as terras amaldiçoadas, chega no castelo e no final, confronta o senhor dos vampiros.
O jogo do Nintendinho, como ficaria conhecido, estabeleceu as primeiras conexões da saga com o trabalho de Bram Stoker, como também o nome de Alucard (originalmente do filme de 1943 “O Filho de Drácula” ) ou a curiosidade que o sobrenome do descartado personagem Grant Danasty é baseado em uma linhagem que na vida real era oposta à do verdadeiro Drácula.
A série da Netflix
Bem, a série em si não procura acompanhar pixel a pixel (rsrsrs) o que encontramos em Dracula’s Curse, embora as referências, locais e eventos revelados ao longo dos capítulos tendam a ter vínculos com o cartucho. Da luta contra o Ciclope antes de libertar Sypha até o som de vários jogos da saga na segunda temporada, além do o aparecimento precoce de personagens que terão um papel maior em jogos posteriores e, por extensão, em futuras temporadas. No caso Hector, um Mestre da Forja, capaz de criar criaturas da noite, que podemos ver a serviço de Drácula na segunda temporada e que, junto com Trevor, é chamado para liderar os eventos da trama mostrados no jogo. Do outro lado, temos Isaac, que é o contraponto de Hector na série e no jogo, que já podemos moldar seu próprio exército de monstros durante o desenvolvimento da terceira temporada.

Além desses dois personagens, durante a segunda e a terceira temporada somos apresentados a ambiciosa Carmilla, que debutou no jogo Castlevania II‘, mas tendo mais importância em outros jogos, posteriores a Dracula’s Curse como Rondo of Blood, Lords of Shadow 1 e 2 e um Circle of the Moon que nos mostra o castelo da vampira mostrado na série.
Podemos dizer que a passagem do jogo para a série de animação foram feitas mudanças. Algumas mais justificáveis que outras, mas a maioria com o devido cuidado de dar peso e motivação a Drácula, pegando emprestado o Alucard de Symphony of the Night e sua melancolia para a ocasião e lhe reservaram muitos elementos para implantar ao longo do tempo. No entanto, o novo desafio enfrentado pelo projeto não está mais em encontrar o tom, o cenário ou a escolha dos personagens para o público. As três primeiras temporadas cimentaram isso muito bem, agora está na maneira de nos guiar para o que está por vir. E tudo indica que o conjunto das três temporadas seja uma transição para Castlevania: Curse of Darkness.
Um jogo do Playstation 2, lançado em 2005 para PS2, que nos leva a Europa de 1479, três anos após o que aconteceu Castlevania III: Dracula’s Curse, para apresentarmos um mundo em que a maldição de Drácula continua expandindo entre os humanos. Na cronologia da saga Konami, Curse of Darkness é a continuação direta de Dracula’s Curse e todos os elementos mostrados ao longo da terceira temporada nos direcionam nessa direção.
Analisando o que podemos esperar também existem possibilidades interessantes quando se trata de expandir o enredo, como o caso de Leon Belmont (Castlevania: Lament of Innocence) que faz uma aparição sutil em uma das pinturas da biblioteca do clã Belmont, no segunda temporada. Ou ainda, fazer um salto temporal Alucard ao século XVIII, época que ocorre o Castlevania: Symphony of the Night. As possibilidades estão aí, e estamos claros de que há material para muitas outras temporadas de Castlevania na Netflix. Mas também para outras adaptações excepcionais.
Castlevania marca o salto de qualidade da iniciativa Shankar/Netflix, com novas séries sendo desenvolvidas baseadas em videogames com o mesmo rótulo, incluindo Assassin’s Creed, Devil May Cry e Hyper Light Drifter. O que podemos esperar, só o tempo dirá?